quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Água azul

Água Azul

Altos segredos escondem dentro de água
O reverso da carne, corpo ainda.
Como um punho fechado ou um bastão,
Abro o líquido azul, a espuma branca,
E por fundos de areia e madrepérola,
Desço o véu sobre os olhos assombrados.

( Na medida do gesto, a largueza do mar
E a concha do suspiro que se enrola.)

Vem a onda de longe, e foi um espasmo,
Vem o salto na pedra, outro grito:
Depois a água azul desvenda as milhas,
Enquanto um longe, e longo, e branco peixe
Desce ao fundo do mar onde nascem as ilhas.

José Saramago


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Mar de Setembro

Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto, 
Fremente de espumas. 
Corpos ou ondas: 
iam, vinham, iam, 
dóceis, leves, só 
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem; 
despertos, amam, 
exaltam o silêncio. 
Tudo era claro, 
jovem, alado.
O mar estava perto, 
puríssimo, doirado.

Eugenio de Andrade

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Vem do mar esse gosto de poesia
trazido pelo vento nas areias
a embalar a clara luz do dia...


£una

Praia deserta


Minha alma ficou ali naquela praia
deserta e antiga,
onde jazem os escombros dos barcos
naufragados
e os lamentos das mulheres que perderam
seus homens no mar.
Ali naquela canto batido de ventos,
carcaças e moluscos na areia,
a minha alma vagueia
entre a bruma e a penumbra do luar...

£una

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Não há sombra

não há sombra nem vultos nas areias
nem rumoreja o vento nos rochedos
só o mar denso e sonoro se enfurece
sobre o dorso das ondas repentinas
e engole seus mistérios e segredos

£UNA

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No fundo do mar...


meu coração nasceu aqui
junto ao mar
ao pé do rochedo incrustado de mariscos

Meu berço foi essa areia imensa
onde eu adormecia ouvindo o canto das sereias
e o apito do navios ao longe.
Aqui cresceu meu coração, sem guitarras e pardais
só o doce marulhar das ondas,
e o alvoroço das gaivotas sobrevoando
a espuma branca que bordava a areia.

quando eu morrer, não me levem a outro lugar
que meu coração repouse no fundo do mar.

£una

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Maresia II


"...Estrelas piscam sonolentas
enquanto os peixes se agitam nas ondas,
as belas espáduas prateadas ao luar,
o som da água batendo nos rochedos,
e aquele impressionante cheiro de mar...."


£UNA

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A Moça e o Mar


.vestida de azul
de azul e mar
o sol no cabelo
o céu no olhar
a moça bonita
que veio do sul
dançando no vento
bailando no ar.
pegou um barquinho
saiu pra pescar
levando uma fita
pra Yemanjá.
A moça bonita
não viu o tempo
o céu se fechando
a onda subindo,
o vento zunindo
a chuva caindo
o frágil barquinho
não pode remar.
A moça bonita
de olhar cor do céu
e sol no cabelo
perdeu-se no mar...



£UNA

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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Um dia voltarei


Um dia voltarei para buscar
os instantes que não vivi
junto ao mar...


Sophia de Mello Andressen

Um dia


Um dia quebrarei todas as pontes
que ligam o ser vivo e total,
à agitação do mundo do irreal,
e calma subirei até as fontes.
Em todos os jardins hei-de florir,
em todos beberei a lua cheia,
quando enfim no meu fim eu possuir
todas as praias onde o mar ondeia.

Um dia serei eu o mar e a areia,
a tudo o que existe me hei-de unir,
e o meu sangue arrasta em cada veia
esse abraço que um dia se há-de abrir.



SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN 

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Meio Dia


'Meio-dia '

Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém. 
O sol no alto, fundo, enorme, aberto, 
Tornou o céu de todo o deus deserto. 
A luz cai implacável como um castigo. 
Não há fantasmas nem almas, 
E o mar imenso solitário e antigo, 
Parece bater palmas. 

Sophia de Mello Breyner 


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Lua Cheia


Entre a terra e os astros, flor intensa.
Nascida do silêncio, a lua cheia
Dá vertigens ao mar e azula a areia,
E a terra segue-a em êxtases suspensa.



Sophia de Mello Andresen

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Poema ao farol da Ilha rasa


POEMA AO FAROL DA ILHA RASA

O aviso da vida
Passa a noite inteira dentro do meu quarto
Piscando o olho.
Diz que vigia o meu sono
Lá da escuridão dos mares
E que me pajeia até o sol chegar.
Por isso grita em cores
Sobre meu corpo adormecido ou
Dividindo em compassos coloridos
As minhas longas insônias.
Branco
Vermelho
Branco
Vermelho
O farol é como a vida
Nunca me disse: Verde.


Adalgisa Nery


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Escreve o Mar


Escreve o mar


Até a folha em que escrevo chega o mar
com seu pulsar cheio de naufrágios
como meu coração.

E na folha, da mesma forma que na areia, 
escreve seu segredo trêmulo
e sua canção.

Banha de nácar e cristal meu sonho
diurno e, se calo, escreve em meu silêncio
seu coração.

(Como em outro planeta canta um pássaro.
Quase humana, respira a manhã
de jasmim e limão.

Talvez sonhada ou recordada voa
como uma ferida azul a mariposa
com sua ilusão).

Em uma onda vem todo o mar
e ao pé deste poema se desfaz
como uma rosa que cantara.

Onde é mais só o mar
e mais largo e mais fundo e terno e feroz
é no meu coração.


Eduardo Carranza
(O coração e o Mar)

Venho de Longe


Venho de Longe...

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha

Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.


Paulo Bomfim