sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Desci ao mar


desci ao mar, em sua escura teia
de grutas e cavernas esquecidas
senti seu palpitar de transe em minha veia
com o gosto das noites possuídas
de sal e sangue sobre a branca areia.


Mariza Alencastro

A noite e seu canto


...No branco rendilhado dos luares
sobre a areia
quando o mar se aquieta e o sono chega
com estrelas pingando nas pestanas
de asas negras
quando o silêncio é mais profundo 
nas hastes das palmeiras
a dançar
a noite ergue seu canto mais profano
nas catedrais ungidas de luar...


Mariza Alencastro

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O aviso da Vida



O Aviso da Vida

Passa a noite inteira dentro do meu quarto
Piscando o olho.
Diz que vigia o meu sono 
Lá da escuridão dos mares
E que me pajeia até o sol chegar.
Por isso grita em cores
Sobre meu corpo adormecido ou
Dividindo em compassos coloridos
As minhas longas insônias.
Branco
Vermelho
Branco 
Vermelho
O farol é como a vida
Nunca me disse: Verde.


Adalgisa Nery

Há de flutuar uma cidade



Há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu... como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcado
por vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentíssimos... sem ninguém
e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado à porta... dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão
(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade

 Al Berto

Secreta viagem



Secreta Viagem
No barco sem ninguém, anónimo e vazio, 
ficámos nós os dois, parados, de mão dada... 
Como podem só dois governar um navio? 
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos, 
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa... 
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos... 
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...
Aparentes senhores de um barco abandonado, 
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem... 
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado, 
se justifica, enflora, a secreta viagem!
Agora sei que és tu quem me fora indicada. 
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos. 
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada, 
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

David Mourão-Ferreira

Das estrelas que contemplei


Das Estrelas, que contemplei

Das estrelas que contemplei, molhadas por rios e orvalhos diferentes
Escolhi apenas a que amava e desde então durmo com a noite.

Da onda, de uma onda e outra onda, verde mar, verde frio, verde ramo
escolhi apenas a onda: a onda do indivisível do teu corpo.
Todas as gotas, todas as raízes, todos os fios da luz vieram ver.

Eu quis para mim a tua cabeleira, e de todos os dons da minha pátria
só escolhi teu coração selvagem

Pablo Neruda

Inutilmente

Inutilmente Parecemos Grandes
O mar jaz; gemem em segredo os ventos 
          Em Eolo cativos; 
Só com as pontas do tridente as vastas 
          Águas franze Netuno; 
E a praia é alva e cheia de pequenos 
          Brilhos sob o sol claro. 
Inutilmente parecemos grandes. 
          Nada, no alheio mundo, 
Nossa vista grandeza reconhece 
          Ou com razão nos serve. 
Se aqui de um manso mar meu fundo indício 
          Três ondas o apagam, 
Que me fará o mar que na atra praia 
          Ecoa de Saturno?

Ricardo Reis

Se o mar entrar

Se o mar entrar em casa, com sas flores de som
inundar os tapetes, onde a cinza se instalou.
Com o tempo,e as minúcias do pó.
O mar já está aberto e voltado de borco!
Se o mar entrar o chão já se rompeu
pelos buracos a cor,abre-se a floresta
É um tambor de paz o dia fruto novo

Casimiro de Brito

A alma da Tempestade


Filho, marido, pai, — toda a trindade
Do seu amor — o Mar pôde perdê-los...
Noite de vendaval: escuridade,
Relâmpagos, trovões, atros novelos

De nuvens, fragor de ondas, atropelos
De ventos... E ela olhava a imensidade
Encharcadas as roupas e os cabelos,
Na praia, em pé, hirta na tempestade.

E ainda hoje ela uiva as maldições e as pragas,
Louca, gênio, de um ódio ingênuo e mau,
No concerto dos ventos e das vagas.

Misturam-se-lhe os lúgubres lamentos
Na noite negra, ao troar dos raios, ao
Quebrar das ondas, ao gemer dos ventos!

Afonso Lopes de Almeida

Viver na beira-mar

Viver na Beira-Mar
Nunca o mar foi tão ávido 
quanto a minha boca. Era eu 
quem o bebia. Quando o mar 
no horizonte desaparecia e a areia férvida 
não tinha fim sob as passadas, 
e o caos se harmonizava enfim 
com a ordem, eu 
havia convulsamente 
e tão serena bebido o mar.

Fiama Hasse Pais Brandão