sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Confeitos em alto mar


A menina queria
uma história
que fosse doce
e que falasse
dos bichinhos
que vivem no
fundo do mar.
E gostou de
ouvir sobre os
biscoitos em
forma de estrela
que dançavam
à noite sobre
as ondas para
a sobremesa
do siri dengoso
e das baleias

Alvaro Bastos

Navio naufragado



Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso.
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.


É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias,
Tem duas conchas na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.

Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos, transparentes.

E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias,
As sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.

in "Dia do Mar"

Sophia de Mello Breyner

Lavei meus sonhos


lavei meus sonhos todos na espuma do mar
e os pus a secar na areia. Ali estão
como um colar de estrelas reluzindo !!.
Lavei-os todos numa tarde fria de agôsto
quando a praia fica deserta,
e o vento passa zunindo.
Queria enterra-los sob a fronde das arvores,
fundo bem fundo,
que bicho algum os desenterraria,
Mas senti tanta pena dos meus sonhos bobos
e pena de mim que os sonhei um dia...


 £UNA

Não eras real



De onde vinhas pela noite negra
pisando a areia macia da praia
envolto numa poeira de estrelas azuis?
Eu não sabia se eras real,
ou apenas um clamor da minha louca fantasia
ou um desejo aflito do coração despedaçado;
mas sei que vinhas e eu te via
e me chamavas com as ondas,
o sorriso aberto , as mãos estendidas,
as estrelas piscando ao teu redor
como pirilampos transparentes.
Não eras real, mas eu te via
e a brisa trazia teu cheiro de mar
teu sorriso de espuma, sal e areia.

E eu não resisti ao teu canto de sereia...

£UNA

Mandei para o largo

Mandei para o largo

Mandei para o largo o barco atrás do vento
Sem saber se era eu o que partia.
Humilhei-me e exaltei-me contra o vento
Mas não houve terror nem sofrimento
Que à praia não trouxesse,
Morto o vento.

Sophia de Mello Andresen

Praia

Os pinheiros gemem quando passa o vento
O sol bate no chão e as pedras ardem.

Longe caminham os deuses fantásticos do mar
Brancos de sal e brilhantes como peixes.

Pássaros selvagens de repente,
Atirados contra a luz como pedradas,
Sobem e morrem no céu verticalmente
E o seu corpo é tomado nos espaços.

As ondas marram quebrando contra a luz
A sua fronte ornada de colunas.

E uma antiquissima nostalgia de ser mastro
Baloiça nos pinheiros.


Sophia de Mello Breyner, in "Coral"

Retôrno

Retorno

Falua branca de meu sonho louco
Quase não vagas em nosso antigo mar
Cambraias estendidas ao luar
No preamar de mim veleja um pouco.
Grutas azuis do corpo lapidado
Algas florindo no salivar da espuma
Pó de cristal no cintilar da bruma
Peixe pelo arco-íris polvilhado
Corpo meu estendido ao sol amante
À ternura das vagas desmembrado
Grande peixe veloz e viajado
Às infiéis marés, sempre constante.
Heis-me de volta ao sal da boca de beijo
Areia erotizada à minha escama
Amor algum deitou tamanha cama
E soube desejar tanto o desejo.

Anna Maria Dutra Menezes de Carvalho