terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Secreta viagem



Secreta Viagem
No barco sem ninguém, anónimo e vazio, 
ficámos nós os dois, parados, de mão dada... 
Como podem só dois governar um navio? 
Melhor é desistir e não fazermos nada!
Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos, 
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa... 
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos... 
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa...
Aparentes senhores de um barco abandonado, 
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem... 
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado, 
se justifica, enflora, a secreta viagem!
Agora sei que és tu quem me fora indicada. 
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos. 
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada, 
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

David Mourão-Ferreira

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